domingo, 19 de setembro de 2010

Meu Amigo Peludo - Bárbara Corrêa

Esta é a primeira poesia de Bárbara, minha filhota de 11 anos. Como boa mãe coruja que sou, compartilho com meus leitores minha frutinha que não caiu longe do pé...

Ele tem olhos de chocolate
poderia ser qualquer um
ele me morde e late
mas não é um cão comum

eu e o meu cachorro,
nos dias de inverno
eu com meu gorro
e ele com meu caderno

Grande companheiro peludo
Sobe sem pedir em minha cama
Para mim ele é tudo!
E ele sabe quem o ama. 

sábado, 11 de setembro de 2010

Maldição de Morgana - Maria Luiza

Foto original retirada do Museu Tamayo - México
Arte: Maludiascosta

Arranquem meu coração

e ainda assim o meu sangue

continuará pulsando no coração dele.


Esqueçam da minha existência

e ainda assim continuarei
a existir
nos pensamentos dele.

Sobreviverei em sua memória,

mesmo que ele diga amar

a mil outras mulheres.

Fui eu quem o ensinou a amar.
Essas outras que me agradeçam por isso.
O que ensinei a ele é inesquecível
para qualquer ser humano.

Essa é a maldição que lanço:

em todos os sonhos
em todas as sombras

ele sentirá minha presença.

Olhar - Maria Luiza


foto by Gisah Corrêa


Olho em volta.

Olho acima.

Olho abaixo.

Olho você.

Espelho.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Quixotesca - Maria Luiza


Talvez o poeta tenha razão
ao declinar em palavras normais:

"os deuses vendem quando dão".

Resta a nós, os pobres mortais,

querer ou não pagar o preço:

valer-se a ultrapassar umbrais,

lançar-se num outro começo.

Mas para tal é preciso ousadia,

cara e coragem em demasia;

não é tarefa para um homem comum:

é preciso de si mesmo ser paladino
em sendo um não-herói algum,

ao seguir o sentimento cristalino,

ao fazer da História a Poesia.

domingo, 5 de setembro de 2010

Entre Saramago e Beethoven - Maria Luiza

Foto by Nina Paduani


"Se podes olhar, vê.
Se podes ver, repara.
"
epígrafe de O Ensaio sobre a Cegueira - José Saramago


A fumaça sobe preguiçosamente do cigarro rumo ao amplo espaço do ar. Branco-azulado fazendo volutas como ondas. Uma tragada e o sabor amargo do tabaco traz lembranças doces. Desta vez não me neguei: disse que amava.


Mas não disse o quanto amava, nem ao menos fiz questão de explicar a boca seca e as mãos úmidas e trêmulas. Sentia-me uma cega. Da mesma cegueira que Saramago descreve como "cegueira branca": não via todo o entorno, não queria ver. A única coisa que importava era a presença dele, o olhar carinhoso, as mãos que me acariciavam. Otimistamente só conseguia ver os prós - não havia como pensar nos contras, quando o coração batia mais forte na companhia do pedaço arrancado. Era como se voltasse a viver, depois de muito tempo em animação suspensa. Ele descrevia as impossibilidades e as suas palavras soavam mais um desafio a ser superado do que propriamente o que ele queria dizer. Assim eu o interpretava: como se me desafiasse com as impossibilidades, num teste para saber se o que eu havia dito tinha valor, se o amor que eu dizia sentir era mesmo verdade. Mal sabia ele...

Os dias passaram, junhos, julhos, agostos infindáveis, luas e mais luas se sucederam. A vida continuou como estava antes, continua tudo igual até agora, só que com um sentimento de desolação:
"O amor exige tudo e com pleno direito: eu para com você e você para comigo. No entanto, duvida tão facilmente que eu tenho que viver para mim e para você. Se estivéssemos completamente unidos, nem você nem eu estaríamos nos sentindo tão desolados." Leio e releio a carta de Beethoven, Tresleio e acendo outro cigarro. A fumaça sobe novamente preguiçosa. Branco-azulado, cegueira branca, pétalas roxas: minhas olheiras de vigílias intermináveis a cuidar da velha criança que insiste em brincar quando seria a hora do descanso.

Abro os olhos: terminaram-se os dias cinzentos - o sol brilha aqui dentro. Talvez eu não tenha dito tudo. Haverá tempo para dizer mais.


"
... deine Liebe machte mich zum glücklichsten und zum unglücklichsten zugleich... ...ewig dein, ewig mein, ewig unß." - L. v. Beethoven